
16 ago O AGRICULTOR TAMBÉM É UM CIENTISTA
Confira a entrevista com Fabiano Pisoni, coordenador de projetos da Cooperfumos, ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores, em Santa Cruz do Sul. Nosso principal foco nessa conversa foi tratar sobre o programa de diversificação da produção em áreas cultivadas com tabaco.
CZ: Eu quero saber sobre as pessoas que estão envolvidas em diferentes momentos da cadeira do tabaco. Quero começar perguntando de onde tu és e onde estás morando atualmente.
FP: Eu moro em Santa Cruz do Sul há uns 10 ou 11 anos. Minha família é natural de Caraá, perto de Santo Antônio da Patrulha e me criei também com a cultura do fumo. Meus pais plantavam fumo até eu ter uns 12 ou 13 anos – lá era algo muito forte, mas hoje em dia deve ter umas 5 famílias que continuam plantando.
CZ: E agora, como é lá? Tem alguma monocultura que prevalece?
FB: Como é um município pequeno, tem uns sete mil habitantes e pequenas propriedades, com áreas mais irregulares, hoje tem muito hortifruti, grupos com produção orgânica, e o resto é mais focado em serviços, que é o que mais emprega, como a Prefeitura, além ateliês que confeccionam partes de sapatos – nesse caso, o valor pago para a as pessoas é muito baixo e o município não arrecada nada porque o produto vai para outro lugar, que é onde é gerada a nota. Então, não gera imposto, não gera tributos do município, nada.
CZ: Quando tu começou a atuar no MPA, já lidava com a questão de diversificação de cultura?
FP: Antes, eu participava da Pastoral da Juventude Rural, no grupo de jovens. Fui fazer faculdade, estudei Administração, e em 2008 eu vim trabalhar no MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), contribui mais no município e depois fui para Porto Alegre, de Porto Alegre, vim para Santa Cruz do Sul. Estou aqui há uns 12 anos, já.
Antes, na Pastoral, eu trabalhava com projetos sociais e depois no MPA, com projetos mais focados em assistência técnica. No começo, eu contribuia mais no administrativo, mas quando eu vim para Santa Cruz, eu vim trabalhar num projeto de biodiesel que o Movimento tinha aqui. A Petrobrás tinha criado a Petrobrás Biocombustíveis S/A e comprava principalmente soja dos pequenos agricultores para produzir biocombustível. Eu vim pra ajudar nessa parte, na interlocução. A gente viajava pelo Estado todo, passando por várias cooperativas e associações. Nesse meio-tempo, O MPA ainda estava executando – era o tempo do Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA) e do Dater (Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural) – um projeto que havia sido negociado com o Ministério para trabalhar com assistência técnica para os agricultores. Foi nesse momento que eu ingressei nessa parte dos projetos.
Em 2011, houve uma mudança na legislação – porque já existia o Programa de Diversificação de Áreas Cultivadas com Tabaco. Em 2005, foi o protocolo de assinatura da Convenção-Quadro Para Controle do Tabaco (CQCT/OMS) e, em 2007 ou 2008, o MDA criou o projeto de diversificação, que serve de exemplo até hoje para diversos países. Em 2011, houve uma mudança na legislação e foram abertas chamadas públicas e foi quando eu ingressei mais na coordenação dos projetos e dos programas, fazendo a interlocução, muitas vezes, até mesmo com o Ministério.
CZ: As chamadas públicas são editais?
FP: Isso, são editais de chamamento. Em 2011, tinha validade de um ano e a gente discutiu muito porque em um ano não tem como fazer assistência técnica com os agricultores. Vai se começar um processo de acompanhamento das famílias e quando tu conseguir a confiança das famílias, tu já vais ter que parar porque acabou o tempo. Então, tivemos a prorrogação por mais três meses e depois fizeram mais uma chamada pública que era válida por três anos. Na metade de 2013 saiu a nova chamada, em 2014 começou a execução e foi até 2017. Nessa ocasião, o número de famílias atendidas aumentou um pouco – só que dentro desse processo aconteceu o impeachment, teve paralisações do contrato… Nesse meio-tempo do impeachment, o MDA também deixou de existir e, ainda no mandato da Dilma, criou-se a ANATER (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural). O Temer, no período em que esteve no poder, regulamentou a ANATER, criou seu corpo técnico e no segundo semestre de 2018 houve uma nova chamada de diversificação. Em vez de ser via Ministério, foi via Agência. Houve várias mudanças no processo todo e, tecnicamente, se não fosse a pandemia, não estaríamos com o contrato do programa ativo. [Agora] estamos encerrando o momento das visitas técnicas, ainda estamos fazendo alguns cursos com os agricultores.
CZ: Não é garantido que vai haver outro chamamento depois do encerramento?
FP: Até o momento (julho de 2021), não. Quem faz a gestão do recurso é o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) via Secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo. Até então, o Fernando Schwanke era o Ministro, depois disso passou para um cara do Tocantins. A gente não sabe o que vai acontecer porque não tem recurso, não tem nada. Tanto é que esse contrato que nós estamos terminando de executar foi cortado em 50% dos recursos.
CZ: Por causa da pandemia?
FP: Não, foi antes! O governo Bolsonaro começou em 2019, em abril eles começaram a parar os pagamentos. Tu tens que executar a atividade, prestar contas, eles têm que analisar, dar o OK e a gente gera a nota e eles pagam.
O tempo de pagamento é muito espaçado. Chegou um ponto que recebemos uma mensagem pedindo para parar tudo por dois meses. Estávamos com uma equipe técnica toda em campo no início de agosto de 2019, chamaram a gente para Brasília, para repactuar o contrato. Colocaram oito pessoas de ministérios numa sala e começaram a dizer: “Aqui corta, corta, corta, corta” e eu já havia montado uma planilha a partir das metas, fui olhando e disse: “Tá, mas isso dá 52% de cortes. Podemos fazer uma contraproposta?”, e nos disseram que não, que seria desse valor para menos. Ou [aceita, ou] tu rompe e chega aqui e diz pra toda a equipe, para todos os associados, que acabou, chega para os agricultores e diz que o Governo cortou o projeto… A gente acabou aceitando permanecer mesmo com o corte. Cortamos algumas coisas, reduzimos o tempo, mas não o pessoal que trabalha. Sem a pandemia, era pra terminar o projeto em dezembro de 2020, e com esse replanejamento a gente deveria terminar o projeto em maio de 2020, que foi quando deu o pico da pandemia.
CZ: E como é o dia a dia de vocês? É muito diferente de acordo com a fase do projeto?
FP: Nós atendemos 19 municípios das regiões do Vale do Rio Pardo e do Centro-Serra, são quase 1700 famílias – eram quase quatro mil no período de 2013 a 2017. As ações do projeto são visitas técnicas nas propriedades. Primeiro cadastramos toda a família… Esse projeto acontece nos três estados do Sul.
Tem uma coisa que eu acho importante falar: no tempo que a chamada era feita pelo MDA, as disputas do edital aconteciam pelas entidades da sociedade civil, como cooperativas, associações credenciadas no Ministério e aptas a participar, além da Emater. Então, a disputa que ocorria continha regras que valiam tanto para a gente quanto para a Emater. Mesmo [a Emater] sendo um órgão público, com mais recurso e mais corpo técnico, a gente ganhou o edital por duas vezes aqui na região. Na região sul, era o Capa (Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia) que trabalhava essa questão do tabaco.
“Eles” pegam os municípios produtores de tabaco e formam o lote – aqui no Rio Grande do Sul são seis ou sete lotes, com seis ou sete municípios em cada lote, em média. Com a ANATER, mudou um pouco – dos 100% dos recursos disponíveis, 60% é para um contrato direto com a Emater e 40% é com a sociedade civil, que vem pelo edital. O Governo negocia primeiro com a Emater e ela escolhe os lugares, depois, o que sobrar fica para a sociedade civil ou, como eles nos chamam, “entidades privadas”. Aconteceu que aqui na região de Santa Cruz, que era um lote que a gente já estava executando, quando abriu a chamada pública, não abriu para os municípios daqui do entorno, como Santa Cruz e Vera Cruz porque a Emater já tinha conquistado e onde ela atendia antes, não ia atender mais.
A gente conseguiu negociar e aqui na região de Santa Cruz teve uma chamada pública complementar para continuar a atender as famílias que já estávamos acompanhando. Se não, se quebraria um ciclo que vem desde 2012. Se outra entidade começasse, querendo ou não, começaria o trabalho do zero também porque já tínhamos um histórico, uma relação com aquelas famílias.
No tempo do MDA, tinha o Condraf (Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável), e nele tinha várias representações dos ministérios e da sociedade civil. Lá eles discutiam as diretrizes e um pouco mais das políticas nacionais de ATER (assistência técnica e extensão rural). Dentro do Condraf tinha o Comitê de ATER, que era um grupo de trabalho que se reuniu pela última vez no governo Temer. O MDA também foi desestruturado, foi pra Casa Civil, da Casa Civil, no governo Bolsonaro foi para o MAPA e tudo o que era construído de diálogo com a sociedade civil acabou. Hoje não tem mais uma comunicação daqui pra lá ou de lá pra cá, de construir a política, de discutir os problemas.
CZ: Isso faz falta?
FP: [Faz] Muito porque tem gargalos. A comunicação deles com a ANATER é horrível. É muito sem diálogo, tu não consegue construir nada. Se o contrato foi regrado de uma forma, ele vai seguir assim para o resto da vida. Mas, se eles acharem que alguma coisa tem que mudar, eles só te comunicam. Não tem um diálogo construtivo. Agora não sabemos o que será do programa. O próprio ex-secretário Fernando Schwanke dizia: “Nós não queremos combater uma cultura lícita”. Mas, a gente também não está querendo combater o fumo… Porque se a gente chegar na propriedade do agricultor e disser “Não planta mais fumo”, a gente não teria entrado em nenhuma propriedade. A gente chega com outra conversa: “Olha, o fumo é importante, mas só o fumo não é. Ou a gente só se alimenta de uma coisa? A gente precisa ter outras fontes de renda”. Então, a gente começou a trabalhar com os agricultores a questão da produção para autoconsumo porque muitos haviam perdido isso. Trabalhamos a questão de ter a galinha caipira, ter sua horta, ter um pomar… A gente começou a trabalhar com isso para ganhar a confiança dos agricultores. Muitos, hoje, já pararam de plantar fumo
CZ: Esse movimento de começar a diversificar para ter a plantação de subsistência e depois parar de plantar o tabaco é um movimento deles?
FP: A gente começou a construir com eles a importância de ter seu próprio alimento. Dizemos para fazerem as contas do que eles consomem da propriedade, do que consomem de fora. Se criou a mentalidade, a partir da indústria, através dos “instrutores” das empresas de tabaco, que as pessoas poderiam plantar dois ou três mil pés a mais de fumo, se dedicar inteiramente a isso e comprar o frango e as outras coisas na cidade ou do caminhão da verdura. Só que ele não sabe o que ele tá comendo, né? Hoje o valor está muito mais alto e o fumo está cada vez mais desvalorizado. Teve aumento do dólar para tudo e o fumo continua igual. Esse ano, no início da safra, estavam pagando um valor bem baixo, há dois ou três meses estavam com a classificação “alta” porque não tinha tabaco, estava faltando fumo.
A indústria controla todo o processo e os agricultores acabam ficando dependentes. Então, a gente começou a trabalhar um pouco a recuperação do solo, de áreas degradadas, das nascentes – porque muitos nem água potável tinham em casa porque não cuidavam da sua nascente. Além disso, temos as oficinas e os cursos para produzirem o seu próprio insumo ou aproveitarem o que tem na propriedade. Hoje algumas famílias fazem insumos e usam no próprio tabaco – a gente ensinou a utilizar na produção dos alimentos, mas eles fazem testes. E é isso, o agricultor também é um cientista, é um pesquisador.
Se a gente diz que algo é bom para a adubação foliar do repolho, ele pensa: “Se o fumo é uma folha, por que eu não posso usar?”. Então, a gente diz para usar, fazer testes, não usar em todo o tabaco. Mas, hoje tem gente que produz biofertilizante em casa e usa no fumo e isso diminui a dependência do insumo. Só que a indústria faz todo um pacote e se o agricultor não comprar aquele insumo, ela diz que não vai comprar o fumo dele depois. Tem esse atrelamento. A questão do sistema integrado amarrou tudo isso, o produtor fica muito dependente. Casado a isso, o governo, na época, tinha a política do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) muito mais forte e hoje essas políticas estão muito desestruturadas. Tanto que Santa Cruz do Sul, recentemente, fez um programa chamado Compra Local, para pegar recursos do próprio município para comprar produtos da agricultura familiar. Um dos argumentos, eu estava lendo na reportagem, era de que o Governo Federal, às vezes manda dinheiro, [a Prefeitura] começa a comprar os produtos e de repente para de vir o dinheiro. Então, o município fez isso para dar continuidade – e isso é importante. Um dos maiores gargalos na questão da diversificação é a questão da comercialização. Todo comércio, todo o arranjo econômico aqui da região está construído a partir do tabaco. O pórtico da entrada de Santa Cruz do Sul é uma estufa de fumo!
CZ: Quais são os maiores desafios do teu trabalho? É o contato com os agricultores ou tentar convencer eles de que tu traz algo de útil? Eles são muito desconfiados?
FP: Se fosse em 2011, isso era muito nítido. O entendimento deles era de que a gente estava indo pedir para eles pararem de plantar fumo. A indústria faz muita propaganda sobre isso. Quando tem as Conferências das Partes (COP) da Convenção-Quadro da OMS para Controle do Tabaco, a mídia local faz parecer que está acontecendo um tsunami, que vai destruir tudo, que vai implodir as indústrias… Eles fazem esse terrorismo todo.
A gente chegava e falava que era um programa de diversificação, queremos ajudar vocês a pensarem em outra coisa. Eles falavam “Então vou começar a plantar milho. Vocês compram de mim?” – isso é a mesma lógica da indústria do tabaco, que vai lá, leva o insumo, leva a assistência técnica, leva o cara para ir comprar… Ele é só o produtor, ele não pensa o processo como um todo, desde produzir, vender, beneficiar a produção. A gente começou a quebrar um pouco esses paradigmas, a levá-los para outros lugares onde as pessoas tinham experiência de ter parado de plantar fumo, para escutar outros agricultores contando que pararam e hoje fazem outra coisa.
Mas, ainda hoje, um dos desafios é a comercialização, como eu te falei. Os agricultores que não estão próximos à cidade, a questão do transporte, de poder ir vender na cidade, também. [Há a necessidade] de ter uma mudança da cadeia produtiva daqui, não ser só o fumo recebendo o incentivo maior. Então, o MPA trabalha hoje com a questão das sementes crioulas, para o produtor ter a sua própria semente, de não ter que comprar todo ano, até porque a semente transgênica está absurdamente cara. E acaba que eles precisam também comprar outras coisas junto com a semente, como o veneno. [Também há] o desafio de estrutura, para comércio, a falta de estrutura de comunicação – a internet ajudou nisso, mas no início era muito complicado.
A gente percebe também que a faixa etária das famílias que a gente atende é de 45 a 60 anos e que a maioria dos mais novos que estão na propriedade ainda [só está] porque não terminou o Ensino Médio ainda. As Escolas da Família Agrícola ajudam bastante no processo – tanto que os técnicos que trabalham em campo, praticamente todos, são filhos de agricultores e passaram pela EFA, moram nas propriedades e saem dali para atender as famílias, então eles têm muito mais a vivência disso.
CZ: Hoje em dia, como vocês já têm essa relação mais estabelecida com os agricultores, acha que o diálogo é um pouco melhor?
FP: Sim, hoje é bem diferente. Alguns nos procuram, perguntam o que dá pra fazer, já incluíram estufas com morango na sua propriedade, já construiu um mercado. A gente também faz muito trabalho com as mulheres, atividades específicas só para elas – elas demandam atividades mais voltadas para a culinária e muitas, a partir disso, têm uma outra fonte de renda. Temos agricultoras que hoje são confeiteiras, se especializaram, porque aquela atividade a motivou para estudar, pesquisar mais.. Tem até algumas que dão cursos para outras agricultoras em outra comunidade. Teve agricultora aqui de Santa Cruz que foi para Arroio do Tigre, que foi para Candelária fazer curso, veio agricultora de lá para cá… Tem muito disso. Elas começam a fazer coisas para a comunidade também. Algumas comunidades pediram para darem curso de cuca, para eles fazerem e venderem na festa da comunidade. Isso é fonte de renda também.
CZ: Também já traz outro tipo de diversificação de renda… Qual tu acha que é a maior diferença entre os agricultores que plantam só fumo e os que começaram a diversificar ou que já não plantam mais fumo?
FP: Existe uma relação diferente com a terra, além da diferença vista na saúde. Alguns trabalham menos do que trabalhavam plantando fumo e ganham a mesma coisa. A qualidade de vida é melhor, nesse sentido. A relação com a terra é uma das bases do nosso trabalho, com a questão da agroecologia, da produção orgânica. Tudo o que a gente foi incentivando foi para que eles buscassem ter uma produção de alimentos mais saudáveis. Também fazemos um trabalho com plantas medicinais… O próprio governo lançou um programa no qual a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) está participando e a gente não foi convidado. Isso, em pequenas propriedades, pode trazer uma renda também, mas o processo que está sendo criado é o mesmo do Sistema Integrado – levam um pacotinho de semente, a indústria vai lá levar tudo, o agricultor vai plantar, a indústria vai lá e busca.
CZ: Vai diversificar a dependência?
FP: Só muda a cultura, mas a dependência da indústria continua a mesma. O problema não é ter dependência da indústria, o problema é o pacote [de obrigações] e tu não poder sair nem um pouco daquela caixinha. Se tu não produzir com os insumos que eu estou oferecendo, eu não compro.
Os agricultores foram criando essa consciência de entender também o que a indústria está fazendo. Muitas vezes, a gente ficava discutindo nas atividades. Fazíamos um encontro que durava um dia inteiro, então de manhã tratávamos de um tema, de tarde, outro tema. No intervalo, ao meio-dia, tinha um almoço e nesse momento eles conversavam sobre isso: eles poderiam pegar o próprio dinheiro, comprar o insumo e pagar muito mais barato, mas precisam comprar da indústria porque se não eles não vão comprar o fumo dos agricultores depois. “E se eu não vender pra ela, eu vou vender pra quem? Eu não consigo vender fumo na esquina.” Diferente da comida, que se tu não tem a indústria comprando, tu consegue vender em outro lugar ou tu come, ou dá para os animais.
CZ: O que tu acha que aconteceria se as multinacionais saíssem da região?
FP: Iria ficar todo mundo perdido aqui porque toda a base econômica está construída em cima disso. A Adriana Gregolin trabalhava no MDA, foi uma das que pensou o programa de diversificação, todo o processo. Ela estava na Colômbia ou no Chile, não lembro, e uma das indústrias simplesmente saiu, fechou a fábrica. Os agricultores com todo o processo construído, investimento na propriedade… O que tu faz com a estufa de fumo? O que tu faz com o maquinário? Não tem o que fazer, aquilo só serve para o fumo. Então, eu acho que a região iria se desestabilizar toda. E lá foi isso que aconteceu. Com a pressão local, a indústria falou que faria um programa de repasse de mil dólares para elas investirem em uma outra atividade econômica. Mas, isso não é uma coisa que muda do dia pra noite.
Quando alguém dizia que queria parar de plantar fumo e perguntava o que a gente aconselhava a fazer, eu dizia para ir por um processo gradativo. Quer parar? Está decidido? Beleza, então começa a diminuir uma coisa e vai aumentando a outra. Utiliza o fumo porque, querendo ou não, em pequena área, ele dá uma renda, se a família não tiver dívida. Se consegue colher e não deu problema de safra, dá uma certa renda. O problema é quando “o cara” tem algum investimento que acaba não conseguindo pagar, por conta de algum problema de clima, ou outro problema que o seguro não cobriu… Se o produtor fosse levar na ponta do lápis, o tabaco, em muitos momentos, ele não é rentável.
Se fizer a conta do que o fumo rende durante um ano para o agricultor – que é o tempo que ele fica dedicado a isso – não dá um salário mínimo por pessoa da família.
CZ: Mas, quem tá nisso há tanto tempo, não vê muita alternativa, né?
FP: Não, porque não há um mercado estruturado aqui para isso. O hortifruti daqui, em boa parte, vem da Ceasa. Então, as cooperativas, como a CooperSanta (Cooperativa Regional de Alimentos Santa Cruz), têm dificuldade de crescer e entrar nos mercados. Outro problema é a lógica do consumidor, que quer comer laranja o ano todo. Tem que ver o que, regionalmente, se consegue produzir. Aqui, por exemplo, em regiões altas, daria para produzir uva, que em pequena propriedade já gera uma renda. A Serra gaúcha construiu a riqueza da região a partir das videiras. Temos potencial para isso… Os cítricos também se dão bem na nossa região, além do pêssego, a fruticultura como um todo. Mas, não temos uma indústria forte que pudesse beneficiar isso.
O que agrega valor, como conservas, “chimia” (geléia), salame, eles não podem vender porque tem uma legislação. Então, a questão dos produtos artesanais também precisa de uma mudança porque não tem como o produtor que processa cinquenta ou cem litros de leite por dia seguir o mesmo regramento de uma indústria que processa cinco ou dez mil litros de leite por dia. Esse também é um dos gargalos que impede o avanço. A gente precisa criar uma outra lógica. É um processo difícil e a pandemia distanciou as pessoas mais ainda.
Queremos criar essa concepção de que não existe só o fumo, outras coisas também podem ser feitas. Cada técnico acompanha cerca de oitenta famílias… Se cinco famílias conseguirem dar um salto de qualidade, nós atingimos o objetivo, porque essas cinco vão ter pelo menos mais cinco famílias que vão se espelhar nelas. A pedagogia do exemplo, nesses casos, funciona muito: “Se o Fulano está conseguindo, eu vou conseguir também”. A história do fumo também é isso… “Fulano plantou, então eu vou plantar porque também vai dar”. Além disso, criam-se núcleos de famílias que se ajudam, produzindo insumos juntos. Tem coisa que não dá pra fazer sozinho, como a produção de insumos que precisa ser feita e logo usada. Ou então o grupo faz mais para render. Isso tem gerado bons resultados, mas temos tido mais de cinco famílias a cada oitenta com essa mentalidade.
Estamos nessa peleia. Achamos que com esse governo, não teremos mais chamamentos públicos porque não é o foco. Temos tentado conversar.
CZ: E como fica o MPA? O projeto pretende seguir?
FP: A relação [com as famílias do projeto] continua, mas de forma reduzida. A gente não consegue colocar o time todo em campo por conta do custo. A assistência técnica não é barato, tem que pagar carro, gasolina… Tem custo. Mas, a gente consegue ir acompanhando a partir de outros projetos, como pela produção de sementes para beneficiamento, temos parceria com algumas empresas de insumos orgânicos… Isso acaba ajudando a gente a ir se mantendo. Temos outros projetos também, em parceria com a Embrapa – Clima Temperado, do Pelotas. Então, diminui, mas a ação não para, continuamos em contato com eles. Quando tiver chamada, a gente consegue dar um up.
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