
22 ago HOJE EM DIA É TUDO COM VENENO
A seguir, confira a entrevista com Nilsa Machado, agricultora e dona de casa. Residentes da zona rural de Vera Cruz, ela e o marido, Adair, cultivam tabaco há décadas. Além disso, Nilsa é tia dessa que vos escreve.
Nilsa Machado: Tu soube de uma mosquinha que está no tabaco?
Claudine Zingler: É uma praga? O que ela faz?
NM: Ela come a mudinha e tem um país que vetou, que não quer comprar fumo do Brasil.
CZ: Por causa disso?
NM: Como que é? A Rússia, não… China, não… Outro nome. Te informa que tu vai saber. Essa mosquinha não atrapalha no fumo quando tá grande na lavoura, só na mudinha, mas tem tratamento. Ano passado, nós perdemos três piscinas de mudas que compramos para replantar. Agora, nesse ano, quando começou a dar, o instrutor deu o nome do remédio, do veneno e terminou, não morreu mais nenhuma muda. Estão falando sobre esse bichinho, mas ele não atrapalha em nada. Acho que foi a Rússia! Disseram que lá foi proibido de comprar fumo, que se comprarem vão acabar levando a mosquinha para lá. Então, não vão comprar do Brasil.
CZ: Aquele dia, eu perguntei para o vô o que ele lembrava de mais diferente dos tempos antigos de cultivo de fumo, comparando com os dias de hoje. Ele contou que antes tinha que preparar o solo, mas que hoje em dia tu já coloca o produto antes mesmo de preparar o solo para não crescer inço. Isso mudou bastante?
NM: Sim, tem produto para tudo. Outra coisa, eles faziam o canteiro, que agora é piscina. O vô fez muito o canteiro no chão, queimava com gás, tirava o gás e aí semeava a muda ali. Não tinha tanto veneno. Hoje em dia é tudo com veneno. É veneno para a planta, é veneno para se criar, é veneno para tudo.
CZ: Tu sabes que tem uma doença chamada Doença da Folha Verde do Tabaco, que pode acontecer quando se mexe na planta verde?
NM: Sim, o cheiro é muito bravo. Eu não posso sentir nem o cheiro do fumo quando está verde dentro do forno. Ainda mais em dia de calor, que vem um bafo. Tem que se cuidar.
CZ: As pessoas não usam proteção?
NM: É, mas esse ano veio bastante EPI (Equipamento de Proteção Individual) aqui para a nossa casa – máscara, luva… Mas, nem todos usam máscara para colher, usam mais luvas, avental.
CZ: Nos últimos anos, vocês repararam em alguma mudança na questão de compra de fumo por algumas empresas? Acha que tem vendido menos, tá menos valorizado?
NM: Eles querem qualidade. Quando tu planta, tu cuida a mudinha. Na hora de colher tem que ter cuidado, não pode ser muito maduro, tem que colher no tempo certo, no forno temos que cuidar a amarelação, a secação. É qualidade.
CZ: Então vocês tem que prestar bem mais atenção em todos os momentos?
NM: É, quem tiver qualidade faz dinheiro. Por exemplo, há uns dois ou três anos, nós colhemos só fumo preto e não deu dinheiro. A qualidade é o fumo claro, alaranjado, pintado. Tem uma firma, a JTI, que quer só fumo alaranjado, enferrujado – esse é o fumo blend, que é o que dá mais dinheiro. Nós não plantamos para essa firma. A Solange (irmã) plantava, mas não colhia esse fumo e parou de plantar porque eles queriam só essa qualidade.
CZ: Então, desde o início do plantio, vocês fazem a escolha da empresa para a qual vão vender?
NM: É, logo que nós começamos, nós escolhemos a firma que queríamos e o instrutor veio, fez a ficha e aquela “coisarada” toda.
CZ: E faz tempo que vocês estão com a mesma empresa?
NM: Com a China (China Brasil Tabaco), sim. Antes era [com] a CTA (Continental Tobaccos Alliance).
CZ: E tu sempre trabalhou em casa ou já foi safrista?
NM: Trabalhei na Vera Fumos, depois mudou para Dibrell, que agora não tem mais, fechou. Na época, mudava muito de nome. Trabalhei em Vera Cruz, trabalhei em Santa Cruz também, na JTI e em outra [empresa].
Depois que ganhei a Franciéli (filha), não fui mais. Depois que ela ficou grande, quando ela começou a trabalhar, com 16 anos, eu fui de novo, trabalhei na JTI por uns quatro anos e parei. Depois, o Adair (marido) foi, mas em 2019 ele se acidentou em casa e não foi mais porque tem limitação e teria que ter um cargo específico. Ele era motorista de empilhadeira.
Eu trabalhei em empresa por muitos anos quando o fumo não dava dinheiro. Até trufa eu vendia na firma, de montão!
CZ: Tu acha que antes as empresas focavam mais em quantidade de fumo?
NM: Não, era sempre qualidade, mas a gente não conseguia fazer boa qualidade. Agora, o Adair está cuidando mais a qualidade, a variedade boa. Esse ano foi bem melhor, não foi um exagero, mas foi bem. Não adianta plantar bastante e não cuidar. Se tu não tirar a flor no tempo certo, se não colher o baixeiro (parte inferior da planta do tabaco) no tempo certo, não fazer a segunda “apanha”, se deixar amarelar muito na roça, vai dar fumo escuro, apodrecido. E colhendo no tempo certo, amadurece no forno e fica com uma qualidade boa.
CZ: Tudo cronometrado, né?
NM: Tudo. E os instrutores não visitam mais, como era antes.
CZ: Eles acompanhavam mais antes?
NM: Sim, acompanhavam cada passo. Seguidamente, eles estavam na casa do colono. Agora, não, é só raramente. Se tu chamar, eles vêm, principalmente no tempo de plantio ou colheita. Se deu um problema no canteiro, por exemplo, é só chamar que eles vêm. Ou, agora com a pandemia, fala por telefone o que precisa.
CZ: O instrutor vem para ajudar? São pessoas que estavam acostumadas com o fumo antes de serem instrutoras?
NM: Sim, o instrutor auxilia, dá dicas do que colocar na roça. São pessoas que conhecem o fumo, que já plantaram por um tempo ou que fizeram curso técnico para essas coisas.
CZ: Vocês usam peão em uma parte da safra?
NM: Usamos para a colheita. Não dá para usar sempre porque “eles” querem que seja agricultura familiar. Como nossa família é pequena, fica difícil. Tem que ser assim, só a família, não se deve colocar peão. Nós colocamos para colher. É um trabalho diário, com três ou quatro fornos, é muita coisa. Dependendo de quando o fumo está maduro, enchemos três ou quatro fornadas.
CZ: Tu ficas mais na função de organização da rotina?
NM: Sim, eu passo o dia nisso. Precisa fazer comida, cuidar de peão e o serviço da casa. Eu faço a alimentação e ajudo a descarregar o fumo, cuidar dos fornos.
CZ: E na época de secar o fumo?
NM: Aí eu cuido da estufa. Isso que é brabo. Acho que isso que estourou o meu joelho. Um ano, Claudine, o teu tio comprou lenha verde… Ele fazia fogo de manhã e “embrabecia” porque o fogo não levantava, e ia pra roça, e eu ficava aqui tendo que virar os paus de lenha até acender o fogo. Depois eu cuidava para não apagar e isso fez uma hérnia estourar no meu umbigo, tive que fazer cirurgia. Enquanto o Adair não está, eu cuido do forno.
CZ: E é uma época muito difícil?
NM: É uma época brava, não dá pra sair. Tem que ficar sempre de olho para não baixar a temperatura, se não estraga o fumo.
CZ: E é perigoso, né?
NM: Muito perigoso. Se tu vai pensar no risco de incendiar o forno, tu não vai querer colocar lenha no forno. Eu não penso muito, eu jogo a lenha.
Já pegou fogo em um forno, quando tinha um lá na casa do teu avô. Nós tínhamos recém casado. O Adair colocou lenha [no forno] de manhã cedo e foi tomar chimarrão com o vô. Quando olharam para fora, o vizinho estava chegando correndo para avisar e começaram a atirar água na porta do forno para o fogo não sair para fora. Teu tio se desesperou. Depois disso, nós desmanchamos aquele forno e construímos aqui em casa, com certa distância.
A gente arrenda as terras para plantar, e é muito gasto que a gente tem também, sabe, Claudine? Plantio, a fatura que vem da firma…
CZ: A fatura que vem é de insumo, sementes…?
NM: Semente, adubo, salitre, EPIs também são comprados. Nada de graça, tudo, tudo comprado. A lona que cobre o fumo e a lona que vai embaixo da piscina das mudas também são compradas.
CZ: Sempre tem que comprar com a firma para a qual tu vai vender?
NM: É, a China não deixa comprar nada de fora.
CZ: Geralmente, a gente está acostumada a fazer pesquisa de preço, procurar o lugar mais barato para comprar alguma coisa…
NM: Não tem pesquisa de preço. Se tu tem dinheiro, tu compra à vista da firma e é mais barato. Se não, é mais caro, porque tu paga depois, quando vêm o dinheiro do fumo, que eles descontam tudo que tu comprou da firma, como o adubo, por exemplo.
CZ: Em que época vocês terminam de vender o fumo?
NM: Esse ano, no fim de fevereiro, nós terminamos tudo.
CZ: E aí recebeu o dinheiro para o ano?
NM: Nós fazemos assim: na primeira venda, a gente paga a firma e nas próximas vendas o dinheiro é nosso. Daí, vai pagando por fora o que tem, como jogos de canos que tivemos que pagar esse ano, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura), arrendamentos [de terra], prestação do trator. Então, paga tudo o que tem [de dívida], vai pagando, vai pagando até vender tudo. Na última venda, o dinheiro que sobrou, nós guardamos para começar de novo.
Vamos dizer que eu vendi 20 mil reais de fumo. Lá na firma, eu devo uns 15 [mil], então sobrou 5. Destes 5, eu já tenho que pagar, vamos dizer, 4 mil para o banco, daí sobra um [mil]. Mas, vai, vai, no fim sobra uns 10 mil e quando está tudo pago, a gente guarda para começar a plantar de novo.
CZ: Vocês estão plantando menos do que há anos atrás?
NM: Não, nós aumentamos esse ano. Nós plantamos 65 mil [pés] nesse ano. Aumentamos porque o Adair disse: “Vamos aumentar enquanto eu tenho força para plantar, depois quando eu estiver mais velho, não vou ter força”. Teu avô plantou [tabaco] até 60 anos, teu tio tá com 54. A gente vai plantando, a gente coloca gente para trabalhar também… Ele trabalha muito com esse braço [machucado], mesmo doente, trabalha muito. Mas, de noite, ele tem dor aqui em cima (aponta para próximo do ombro), onde o nervo arrebentou no acidente. Ele nem se queixa muito porque já se acostumou com a dor. Mas, ele adora ir pra roça, colher milho…
CZ: As outras famílias que plantam fumo, que vocês conhecem, a maioria dos filhos saiu para a cidade para trabalhar? Tipo a Fran (filha).
NM: É, a maioria foi toda para a cidade. São poucos os filhos de agricultores que ficam na colônia. Por aqui, são poucos. A Fran é uma que nunca quis saber de roça. No início, o Adair levava, mas depois não levou mais porque ela foi trabalhar fora com 16 anos, cedinho já procurou sair fora. Ela disse que não queria [saber de] roça. E, por aqui, os vizinhos também não levam seus filhos na roça, são poucos os que levam. Antes, era todo mundo na roça. Nós [ela e as três irmãs], íamos para o colégio e voltávamos para ir para a roça. Quem não tinha tema [de casa], ia para a roça.
CZ: Até que queria ter tema, então!
NM: Queria. Ou quem queria fugir do tema, ia para a roça.
CZ: Eu estava lendo umas entrevistas com gente que planta fumo e eles disseram que, muitas vezes, os filhos vão estudar na Escola da Família Agrícola, para voltar e fazer alguma coisa em casa…
NM: Tem um casal aqui [perto] que colocou a filha no colégio agrícola. Não sei se ela está indo ainda. Ela vem fazer serviço em casa e volta [para o colégio]. O meu afilhado também estudou no colégio agrícola, hoje ele é técnico [agrícola], trabalha em Vera Cruz, em uma firma.
CZ: Nessa entrevista, eles falam sobre a EFA, que lá eles aprendem a plantar hortifruti, a diversificar a plantação e que, às vezes, os filhos voltam para casa e querem aplicar isso em casa, mas os pais não querem.
NM: Daí dá errado, né? Tira o incentivo do filho. Aqui teve um rapaz que estudou nesse colégio e vinha, fazia as coisas em casa, até tomate ele plantou um ano… Vendia muito tomate por aí.
CZ: Diversificar o plantio para além do fumo deve ser difícil, né? Se a empresa para a qual vocês plantam pede que seja a família cultivando o fumo, é difícil plantar fumo, cuidar do fumo e ainda tentar diversificar. Exige, né?
NM: Eu queria que o teu tio plantasse mais coisas para comer, como batata doce, mandioca, feijão – ele plantava feijão, até, mas esse ano nem plantou. Mas, não planta por falta de tempo e porque isso não dá dinheiro, então se ele vai plantar meia dúzia de pé de feijão, ele diz que prefere comprar no mercado.
Sabe o que eu faço? Eu compro dos colonos que plantam [feijão]. Comprei uns quilos, a tua mãe também comprou. Mas, eu queria. Pensa… Ter as coisas para colher na tua casa, mas não dá tempo e eu não sou muito de planta. Eu sou de colher, só. Um pezinho ou outro eu tenho lá atrás, como repolho, couve, alface, estão bonitinhos, mas tem que preparar a terra para plantar. Eu queria colocar sombrite, plantar melancia para a gente colher, comer, vender. É dinheiro que entra. Mas, não tenho tempo para lidar na horta. No tempo da floração do fumo, é todo o dia na roça até colher tudo.
CZ: Quando tu acha que é o momento mais pesado de cultivar o fumo?
NM: A colheita. Eu acho que é o da colheita porque tem a secagem também. [Nessa época] ninguém dorme direito, ninguém descansa até aprontar. Então, nós plantamos em julho e no início de outubro estaremos colhendo e lá por novembro estaremos prontos. E até o fim do ano, ficamos só em função dos fornos [de secagem]. Enquanto o teu tio trabalha na roça, eu cuido do forno até a meia-noite, depois ele cuida. Meio-dia ele dorme e eu não durmo.
E para colocar veneno, na floração, também é bem pesado. Tem que carregar as máquinas nas costas cheias de água e veneno. Tem que usar EPI, mas teu tio não é muito fã. Uma vez ele tomou um banho de veneno, derramou tudo nele, ficou num vermelhão. Queimava como fogo e eu tive que fazer compressa com vinagre. Depois tem a classificação.
CZ: Como é? Vocês acompanham a classificação na empresa?
NM: O teu tio vai na empresa.
CZ: E tem como negociar na hora?
NM: Não, não tem negociação. Raramente, só se o fumo é muito bom para conseguir negociar, senão nem vale a pena. Quem tem dívida, não tem negociação. Manda e deixa lá por qualquer preço.
CZ: A empresa tem o controle de tudo, né? Desde o início até a venda.
NM: Sim, eles têm controle de tudo. Eles compram pelo preço que eles querem.
Uma vez a gente estava classificando o resto do fumo e chegou uma fiscal do Banco do Brasil, [ela] era terceirizada. Veio cobrar uma conta do Adair, mas quem tinha feito [a dívida] era a CTA (Continental Tobaccos Alliance). A única coisa que o Adair tinha lá [no banco] era o Pronaf e a gente pagava tudo certinho. Eles vieram cobrar uma conta de quatro mil e pouco da CTA. A CTA tira o dinheiro para fornecer ao colono em nome do próprio colono. Nós assinamos e nem sabíamos o que assinamos. Agora a gente sabe que assina mais coisas.
CZ: É como se eu fosse lá no banco pedir empréstimo no teu nome?
NM: Sim, o Adair tava com tudo certo no Banco do Brasil e veio essa conta. O Adair ligou para o instrutor e falou “Escuta aqui, tem uma fiscal do Banco do Brasil me cobrando quatro mil reais que eu devo para o Banco, mas eu não devo nada”. O instrutor disse: “Não, Seu Adair, o senhor não deve nada no Banco do Brasil, quem deve é a CTA. A CTA tira o dinheiro para fornecer para vocês e faz o pagamento em agosto para o banco”.
CZ: Então, quando vocês vendem o fumo, eles descontam esse valor e pagam para o banco.
NM: E o colono já pagou os juros para eles até agosto. O Banco está ganhando em cima do colono. Mas, quem não tem dinheiro, paga. A gente ficou louco [, no dia]!
O colono é um bobo, não sabe da metade. A guria veio aqui e disse que havia uma conta no nome dele [Adair]. Abriu o notebook dela e puxou para ver quem é que estava devendo, afinal. Mostrou bem direitinho que era a CTA que tinha tirado o dinheiro no nome dele. Estava tudo legal, não tinha reclamação, porque havíamos assinado. A gente já tinha pago para a CTA, só que eles só pagariam o banco em agosto, e a gente já tinha pago os juros para a CTA, então eles não tinham pressa para pagar ao banco.
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