Etnografia Poética do Tabaco: a memória é uma corda bamba (2021)

Entrevistas - Etnografia Poética do Tabaco

Poemas - Etnografia Poética do Tabaco

as mãos do meu avô

são grandes e fofas

já precisaram ser jeitosas

(o tabaco é sensível)

para poder despetalar a folha certa

quando ainda não é momento das outras

 

os pés da minha avó

pisaram chãos de barro

e poças de veneno

para alimentar quatro crianças

é preciso andar caminhos perigosos

 

as costas da minha tia

doloridas porque arqueadas

ao selecionar a variedade em busca de

um melhor pagamento neste ano

 

a face da minha mãe

me ensinou que da terra viemos

e é um perigo a possibilidade

de não podermos retornar à ela

por que as multinacionais se mundializam

 

por que as multinacionais preferem expandir suas empresas em países subdesenvolvidos

 

por que as multinacionais são atraídas para os países subdesenvolvidos

 

por que as multinacionais são consideradas como um dos principais agentes econômicos da globalização

 

por que as multinacionais acabam por acentuar as diferenças entre países ricos e pobres

 

por que as multinacionais vieram para o brasil

o Afubrinha era tão simpático

com seus pezões e seu tronco emborrachado

o cabelo, uma muda de tabaco

 

por onde andará o Afubrinha?

vejam como o capital monocultor é bom

crianças se acotovelam

correm para abraçar o corpanzil

desse mascote tão fofinho

 

quem foi que pensou em vestir

um adulto com calça de lycra

e um corpo agigantado

para a vender a ideia

de que este Verde é Vida

 

se a monocultura fosse da cevada

teríamos o Long Neckzinho?

o Verde pode ser Vida

exceto quando te mata

intoxica/queima/deprime/endivida

Verde é fumo

antes de secar

em estufas fumegantes de

90 a 170 graus celsius

 

Verde é vômito

pela náusea sentida

ao tocar na planta

durante a colheita

 

Verde é o dólar

da exportação

que chega em frações

na roça

 

Verde, ainda

há esperança?

início da década 2000
meu avô ainda tocava sanfona
provavelmente Chico Mineiro
ou Moreninha Linda
eu não sabia de muita coisa
mas pensava que sabia

 

no meio da festa
ceia quase pronta
crianças furtavam quitutes

 

o fogo lambeu o velho ano
com pressa
a água no balde
lavou o ano novo
tsss

 

essa história renderia
15 segundos na TV local
estufa de fumo incendeia na virada do ano

 

os tentáculos são longos 
abraçam tudo e todos
sem deixar fresta sequer

 

sufocante

 

na tentativa de aproveitar uma lufada de ar fresco
uma ventosa ensimesmada surge 
te puxando de volta para dentro

 

aqui dentro é difícil
no calor da monotonia
há poucas surpresas
(a não ser que tudo vá bem)

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uma viagem textual, passeando por temas aleatórios, sem formato pré-definido e com pouquíssima ou nenhuma revisão textual – totalmente freestyle! garantia de informações (in)úteis com algumas crises existenciais.

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